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Luta antimanicomial e ódio nas redes sociais: Rita Almeida fala ao Cai na Roda

A psicóloga e escritora fala da luta antimanicomial, do ódio que constrói e daquele que aniquila, de afetos, de solidão e de redes sociais às jornalistas do Jornal GGN. Rita Almeida é autora da Terra Redonda, assinando o primeiro dos "Contos da Quarentena".

Por Lourdes Nassif - 12 de junho de 2021, no Portal GGN


Jornal GGN – Rita Almeida é psicóloga, escritora, psicanalista em formação e mestre e doutra em Educação. Em entrevista ao Cai na Roda, programa das jornalistas do Jornal GGN, Rita fala de temas que significaram luta e hoje voltaram ao cardápio de resistência.


A primeira parte da conversa foi sobre a luta antimanicomial. Formada em psicologia, Rita foi fazer estágio em manicômio, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Foi lá que entendeu a importância da desinternação enquanto aprendia sobre os próprios caminhos do tratamento devido. Engajou-se ao CAPS, e essa luta a compôs.

Trazer aquele momento de aprendizado em manicômio para a pandemia é a linha do isolamento, do cerceamento da liberdade, deixar alguém confinado, ninguém poderia imaginar que isso seria tratamento e agora sentimos isso na carne, e isso nos adoece. Se nos adoece estar em ambiente que nos é caro, imagine com alguém, já com comprometimento mental, pode se considerar em tratamento sem poder se relacionar ou se movimentar.


A história de Barbacena, no século passado, em que tantas mortes foram denunciadas e o tratamento em manicômios foi publicizado, se não tivesse sido apagada para o povo brasileiro, a luta antimanicomial poderia ter sido diferente. Mas a questão é que tantas gerações não viram o que aconteceu em Barbacena, não se horrorizaram com a história. Quem viu e acompanhou na época conseguiu ter uma dimensão melhor do tema e a importância da luta antimanicomial.


Não saber da história é chocante, quando até pacientes de saúde mental mais jovens pedem por internação vê-se a falta que faz a cultura da história, manter os temas vivos para que todas as gerações possam ter conhecimento. E no governo Bolsonaro veio forte em retrocessos. Ao lado dos que ignoram, pessoas que querem resgatar o anterior, que hospícios enriqueceram muitas pessoas, e querem repetir o feito.

O cinismo é outro ponto, em que pessoas fingem não conhecer o problema e pedem o retorno criando leis e decretos, modificando tudo e deixando morrer com subfinanciamento para degradar a luta, reduzindo o esforço para cuidar de uma política pública que foi exitosa até então. É o negacionismo da história em andamento.


Desde que a lei antimanicomial foi aprovada, em 2001, o número de manicômios diminuiu muito, o que não significa que o número de leitos foi zerado. O tratamento é por episódios, feitos em hospitais e casas de saúde. O que foi abolido foi o isolamento como tratamento, não o tratamento em si. A lei não preconiza o fim dos manicômios, mas sim uma mudança de modelo de atendimento.

Na década de 1970, Franco Basaglia, referência da luta antimanicomial da Itália, vem ao Brasil e vai conhecer o manicômio de Barbacena. Com ele vai o cineasta Helvécio Ratton, que produz o filme “Em nome da Razão”. Este documentário trouxe luz ao que acontecia em manicômios, tendo Barbacena como pano de fundo. A partir deste evento, a luta teve início no Brasil. E tornou-se vitoriosa até o advento do governo de Jair Bolsonaro.


O CAPS, sistema genuinamente brasileiro, veio substituir o confinamento em manicômios, dentro da estrutura do SUS, com protocolos específicos e com financiamento adequado.


A questão da pandemia – a solidão que veio com o isolamento, e as transgressões feitas em nome da sanidade mental – é o próximo tema. O isolamento prejudica a sanidade mental, e a internet acabou por resolver parte do problema. A restrição de liberdade é penosa pois somos seres sociais. A justificativa que se usa para burlar o isolamento é, no entanto, uma justificativa um pouco cínica, não é boa eticamente falando. Precisamos sair da tese de que saúde mental tem a ver com felicidade, e não é isso. Saúde mental tem a ver com a gente estar com os afetos adequados a cada situação, seja de luto, perda, tristeza aqui vira saúde mental em dia. O problema é quando esta transgressão se torna uma política de governo.

E onde entra o negacionismo? Ele não quer saber, mas ele sabe e, de algum modo, está se beneficiando com isso. E o negacionismo patológico? Este sim é saúde mental prejudicada, o que prejudica ao negacionista e aos que estão em volta. Caso do presidente da República, no modo como age, e não falando em governo, mas falando em indivíduo. Isso sim é um risco.


E o que fazer com a ebulição de ódio que emergiu desde o advento de Bolsonaro, ainda na campanha, e que foi aumentando em seu governo? Como tratar essas pessoas que saíram da discordância de pensamento e enveredaram para o desejo de morte?


Rita Almeida entende que em situações-limite como esta, vai de encontro aos estudos atuais dela, o Coletivo REDEmunho, que estuda o bolsonarismo dentro da psicanálise política. O grupo estuda os fenômenos psíquicos por trás do bolsonarismo para tentar entender este universo. Nós temos uma formação cristão e tratamos o ódio como sentimento não-cristão, o problema não é este, não é o ódio, é a junção do ódio com a ignorância.


O ódio em si não é o problema, pois ele é solução para que possamos definir o que não somos. O problema é o ódio quando se junta à ignorância. A ignorância é a que nega a diferença, não constrói a partir daí, desconhece o outro em si. E a rede social veio favorecer este embate e a juntar pensadores que se reconhecem.


Participaram desta entrevista Lourdes Nassif, Cintia Alves, Tatiane Correia e Duda Cambraia.



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