Jornalista paulistano acompanhou de perto temas como reforma do ensino e pleitos dos professores.
Por Francesca Angiolillo, em 3/08/2021, na coluna Humanos na Folha.
Na casa de Perseu e Zilah Abramo, jantava-se duas vezes. Na primeira, cedo, a mãe comia com os filhos. Na segunda, às 21h ou 22h, quando Perseu chegava da Redação, os filhos acompanhavam o pai.
“Ele punha numa frigideira tudo junto para esquentar, punha azeite de oliva, estourava um ovo e chamava de comidinha”, lembra Helena Abramo. Todos bicavam daquela refeição enquanto conversavam.
E era uma casa na qual se conversava muito. “Eles não tinham essa coisa de que certos assuntos não se falam com criança”, conta ela, que tinha 11 anos em 1970, quando o pai foi trabalhar na Folha. Era a terceira na escadinha: Laís e Mario a precediam; depois dela, vinham Beatriz e Marta, esta um bebê à época.
Perseu chegou ao jornal levado por Cláudio Abramo, seu tio e então secretário-geral de Redação, que uma década antes já havia lhe delegado a reformulação da reportagem de O Estado de S. Paulo.
Alexandre Gambirasio foi um dos contratados naquela ocasião. Perseu, conta ele, “selecionou vários jovens universitários por um sistema de testes criado por ele mesmo”. Entre outros que entraram para o Estadão, estavam Vladimir Herzog e Luiz Weis —como Gambirasio, “absolutamente estreantes”.
Perseu tinha “qualidades raras e valiosas”, diz Gambirasio. Era “grande e minucioso organizador interno de editorias e magnífico produtor externo de coberturas e reportagens”. Era ainda um “líder nato, professor atento e generoso no treinamento dos jovens na Redação”.
Essas características respaldaram seu retorno ao jornalismo, após oito anos como professor universitário na área de sociologia —primeiro na nascente UnB, a convite de Darcy Ribeiro, experiência de dois anos que terminou com sua prisão, em 1964, ao lado de vários colegas; depois, na Universidade Federal da Bahia, onde fez seu mestrado.
Laís, a filha mais velha, entrou na USP —como os pais, e depois Helena, para estudar sociologia— em 1972, mesmo ano em que Perseu ficou encarregado de pôr no mundo a seção de Educação e recorda os temas à mesa do jantar.
“Ele acabou acompanhando muito o ressurgimento do movimento estudantil”, conta Laís. “Foi um período em que a gente discutia quase todos os dias.”
Perseu abriu espaço para falar de política em meio a um dos períodos mais pesados da ditadura. Os temas da educação eram questões sociais —o surto de meningite, as verbas para o ensino básico, as instalações das escolas.
As listas de aprovados no vestibular passaram a ser publicadas. A reforma do ensino e os pleitos de professores, bem como os encontros da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), mereciam atenção, fosse nos textos da seção ou na coluna que Perseu assinava aos domingos.
Uma seleta desses textos, ao lado de outros que publicou na imprensa antes e depois, está em “Um Trabalhador da Notícia”, livro organizado por sua quarta filha, Bia —o título diz muito sobre como ele via o ofício, sem veleidades intelectuais. Ser jornalista era como ser operário.
Na experiência em Educação, Perseu fez confluir todas as suas atividades —a do jornalista que nasceu ainda adolescente, trocando a escola pelas notícias; a do sociólogo, formado após retomar os estudos por insistência de Zilah Wendel, que conheceu na militância do Partido Socialista Brasileiro; do professor, que no fundo nunca deixou de ser.
O fundo político comum a todas elas desaguaria na atuação sindical. Em 1979, foi uma das lideranças da greve de jornalistas que tomou as Redações.
Passada a paralisação, foi instado a tirar férias vencidas, que emendou com uma licença médica para tratar de problemas que de há muito exigiam cuidado.
No regresso, foi-lhe oferecida a correspondência em Bonn, na Alemanha Ocidental, posto que a situação familiar não permitiria aceitar. Recusou e foi demitido em outubro de 1979.
No ano seguinte, ao lado de Zilah, estaria entre os fundadores do Partido dos Trabalhadores. Não deixou de colaborar para a imprensa, mas não voltou ao jornalismo diário. Abraçou novamente a vida acadêmica, como professor de jornalismo na PUC-SP.
“O jornalismo é uma variante do método científico, uma forma de apreensão do real”, definiria Perseu em 1984, em entrevista ao jornal Porandubas, da universidade.
Para apreender o real, defendia que se perseguisse a objetividade possível, em que o fato aparecesse em sua inteireza e não fosse obnubilado pela forma de sua narração.
Na PUC, elaborou um projeto de pesquisa intitulado “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa”. Publicado como livro, sintetiza com clareza as convicções éticas que perpassam sua trajetória.
RAIO-X
PERSEU ABRAMO (1929-1996)
Nasceu em São Paulo, em 1929. Seu primeiro emprego na imprensa foi em 1946, no Jornal de São Paulo. Terminou os estudos já trabalhando em O Estado de S. Paulo, formando-se em ciências sociais em 1959. Em 1962, deixou o jornal, onde ficou dez anos e foi premiado com o Esso pela cobertura da inauguração de Brasília, para lecionar sociologia na UnB. Deu aulas também na UFBA antes de ser contratado pela Folha, em 1970. Foi um dos fundadores do PT e idealizou o centro de debates e pesquisas do partido —lançada em 1996, dois meses após sua morte, a fundação acabou levando seu nome.
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A Terra Redonda tem grande admiração por Perseu Abramo e sua obra. A editora, com suas filhas, prepara a edição do livro Receitas da Zilah Abramo e família.
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